As calçadas de Goiânia deveriam ser um reflexo de uma cidade acessível e inclusiva, mas, na prática, representam um obstáculo diário para muitas pessoas. A mobilidade de pessoas com deficiência (PcDs), idosos, gestantes e até pedestres comuns é constantemente prejudicada por calçadas mal conservadas, estreitas, com buracos, rampas íngremes e obstruções como postes e caixas de energia. Essas condições criam um ambiente urbano excludente e desigual, contrariando a proposta de cidade planejada, acolhedora e segura para todos.
Maria Clara, de 29 anos, cadeirante, mora no Setor Bueno e compartilha sua experiência. “Sair de casa é um teste de paciência e resistência. Há buracos, rampas íngremes demais, postes no meio da calçada”, explica. Como ela, muitas pessoas com deficiência enfrentam um município que, em vez de ser um espaço de liberdade, se torna um local de dificuldades e riscos diários.
A cidade, que deveria garantir o direito de ir e vir de todos, impõe desafios constantes. Calçadas mal feitas e com obstáculos não só prejudicam as pessoas com deficiência, mas afetam a qualidade de vida de toda a população.
A responsabilidade pela conservação das calçadas é do proprietário do imóvel, conforme legislação municipal, mas a fiscalização cabe à prefeitura. A Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinfra) informou que recebe projetos para construção de rampas, geralmente da Secretaria de Trânsito, e executa as obras. Essa colaboração visa melhorar a acessibilidade, mas ainda enfrenta obstáculos, principalmente diante da expansão urbana acelerada e da falta de padronização.
Além disso, é comum que construtoras ocupem calçadas com tapumes e materiais de obra, bloqueando a passagem de pedestres. Em resposta a essa realidade, foi aprovado em 2024 um Projeto de Lei que obriga a Prefeitura de Goiânia a manter calçadas em boas condições. O projeto visa garantir a manutenção contínua e reparos necessários, exigindo que novos projetos urbanos integrem a acessibilidade desde o início, como parte essencial do planejamento urbano sustentável.
O Sindicato da Indústria da Construção no Estado de Goiás (Sinduscon-GO), em entrevista exclusiva ao jornal O Hoje, também reconhece a complexidade da questão. A diretora de comunicação social do Sindicato, Carolina Lacerda, informou que o Sinduscon-GO orienta suas associadas a seguirem as normas da ABNT e a legislação municipal vigente. Também são promovidos treinamentos técnicos, palestras e canais internos de comunicação para esclarecimento de dúvidas, além de articulação com a Prefeitura de Goiânia para garantir o alinhamento às exigências legais.
Carolina afirmou que o uso irregular de calçadas é um problema recorrente no espaço urbano de Goiânia, mas que a responsabilidade pela fiscalização é do poder público. O Sinduscon-GO atua de forma orientativa e apoia as empresas na correção de falhas quando são notificadas pelos órgãos competentes. Embora não exista acordo formal entre o setor e a prefeitura, o sindicato mantém diálogo constante com a administração para propor melhorias urbanas e participar da construção de soluções técnicas.
Ainda de acordo com a diretora, o Sinduscon-GO é favorável à padronização obrigatória das calçadas, desde que baseada em critérios técnicos, claros, acessíveis e debatidos com os setores envolvidos. Para que a medida seja eficaz, é essencial que haja planejamento urbano, incentivo à regularização e diretrizes compatíveis com a realidade das empresas. Embora não haja campanhas educativas em andamento, o sindicato pretende promover ações de conscientização assim que novas diretrizes foram publicadas pela prefeitura.
Essa atuação conjunta entre o poder público, o setor da construção e a sociedade civil é fundamental para garantir que a capital se torne uma cidade mais acessível, segura e alinhada à Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que assegura o direito das pessoas com deficiência à mobilidade urbana com segurança e dignidade.
Maria Clara reforça: “A gente não quer privilégio. Só queremos viver com dignidade. Calçada não é luxo. É direito. E toda vez que sou impedida de passar por uma calçada mal feita, é como se me dissessem que não pertenço a essa cidade.” A fala sintetiza o sentimento de quem espera não favores, mas justiça urbanística.
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