Caroline Gonçalves e Micael Silva
As famílias que vivem nas ocupações Paulo Freire, Marielle Franco e Estrela D’Alva em Goiânia, têm enfrentado dias de tensão, medo e incerteza. Enquanto aguardam uma definição da prefeitura sobre o futuro das áreas, os moradores relatam noites sem sono, crises de ansiedade e adoecimento físico e mental. O clima nas comunidades é de apreensão constante, entre o risco de despejo, o medo da chuva e a falta de condições básicas de moradia.
Na Ocupação Paulo Freire, no bairro Solar Ville, que há mais de três anos espera por uma solução definitiva, Ozana Moreira, uma das moradoras, conta que a situação afetou profundamente sua saúde.
“Tive problema de ansiedade por conviver com esse medo e síndrome do pânico por causa de viver essa incerteza. Uma hora a gente fica, outra hora a gente sai. É terrível viver dessa forma, nesse descaso, porque estamos há três anos e dois meses e até agora não obtivemos uma resposta”, desabafa.
Com a chegada do período chuvoso, o medo se intensifica na ocupação. “Quando vem a ventania, vai levando várias barracas. Eu tinha que esconder meus filhos debaixo da cama. Quando chega essa época, eu já fico triste e vou planejando pra onde vou esconder meus filhos”, conta.
Ozana lembra que a prefeitura chegou a propor levar as famílias para um ginásio de esportes, mas a ideia preocupa. “Como vamos viver lá? Tem idosos, pessoas com problemas de saúde. Estão nos tratando como se fôssemos lixo.”
Na Ocupação Marielle Franco, vivem 86 famílias, 75 crianças, 16 idosos e 4 acamados, localizada na região Noroeste, a situação é parecida. A líder comunitária Juliana relata que o estresse diário causou até problemas graves de saúde. “No dia da audiência que teve a decisão judicial, eu passei mal, tive crise de pânico e um AVC dentro do carro. O médico disse que era um AVC emocional, por causa do estresse que a gente vive no dia a dia”, contou.
Ela explica que hoje vivem muitas pessoas com algum tipo de deficiência ou transtorno na ocupação. “Como que eu coloco uma criança que tem transtorno dentro de um ginásio de esporte com tanta gente? E os idosos acamados? Eles precisam de cuidado especial e lá não vai ter. A gente pega no que pode. Abaixo de Deus, a Defensoria Pública é quem tem nos ajudado muito”, afirmou.
Juliana é mãe solo e cuida de um filho de 11 anos com transtorno de ansiedade e grau de autismo. “A médica encaminhou ele para o psiquiatra. Ele me pergunta: ‘Mãe, pra onde a gente vai? E as cachorras? As calopsitas?’. E eu só consigo dizer: ‘Meu filho, calma. Deus não vai nos desamparar’”, contou.
A incerteza sobre o futuro é grande. A Justiça deu um prazo de 160 dias para desocupação, que vence dia 30 de novembro. O desembargador prorrogou até 5 de janeiro de 2026, e as famílias aguardam uma posição da prefeitura, se haverá negociação para permanecer ou se serão levadas ao ginásio do Setor Sudoeste. “A gente não sabe o que vai acontecer. Só peço que o prefeito olhe pelas crianças, pelos idosos, pelas mães solteiras. Aqui tem muita gente sofrendo”, disse Juliana.
Sebastiana, também da OcupaçãoPaulo Freire, reforça o pedido por respeito e dignidade. “A gente quer uma moradia digna, estamos pedindo um apelo, pelo amor de Deus. Não deixe a gente sem ter onde morar. Toda vez é assim: dizem que vão tirar a gente, que o dono apareceu, e depois nada se resolve. Se for pra tirar, que tire, mas com dignidade. Se for pra ficar, que deixem a gente construir um cômodo para se proteger da chuva.”
Em outra ponta da cidade, na Ocupação Marielle Franco, a idosa Dona Bena vive com o medo constante de ser despejada. “É ruim viver com esse pensamento de que a qualquer hora a gente pode sair. Eu queria que o prefeito olhasse pra gente, porque somos seres humanos. Esses dias cortaram nossa energia, queimou a televisão, queimou a geladeira. Esse medo acaba com a gente, tem dia que eu não durmo. Qualquer momento para um trator aqui, eu vou fazer o quê?”, questiona.
A situação também é grave na ocupação Estrela Dalva, onde o vereador Fabrício Rosa (PT) relatou ter encontrado um cenário de destruição após uma ação da prefeitura. “Casas derrubadas, famílias desamparadas, crianças sem saber onde vão dormir. A prefeitura chegou cedo, sem aviso, sem diálogo, sem ordem judicial válida. Não havia Defensoria Pública, nem Conselho Tutelar. Foi uma ação truculenta”, escreveu nas redes sociais.
Segundo ele, uma das vítimas foi Dona Maria, catadora de recicláveis. “Cada tijolo da casa dela foi comprado com o dinheiro do trabalho dela. Meses atrás, o prefeito esteve lá, prometeu regularizar a área. Seis meses depois, o que chegou foi o trator, destruindo tudo que ela construiu”, denunciou. O vereador afirmou que o despejo sem ordem judicial é crime e criticou a falta de políticas públicas de moradia.
Sebastiana, que mora na Ocupação Paulo Freire, reforça o pedido por respeito e dignidade
Foto: Maju Soares/ O HOJE
Justiça proíbe cortes de energia e garante alívio parcial a Ocupação Paulo Freire
Em meio ao cenário de incerteza, uma decisão judicial trouxe alívio parcial aos moradores da Ocupação Paulo Freire. Após a Equatorial Goiás cortar a energia elétrica e retirar os fios de forma considerada ilegal, o juiz Rodrigo de Melo Brustolin, da 30ª Vara Cível de Goiânia, reconheceu a ilegalidade do ato e proibiu a empresa de realizar novos cortes sem cumprir o procedimento previsto na Resolução Normativa nº 1.000/2021 da Aneel.
A ação foi movida pelos advogados Camilo Rodovalho e Vitor Albuquerque, que pediram a religação imediata da energia e a proibição de novos cortes. A decisão reforça o entendimento de que a energia elétrica é essencial à sobrevivência e que o corte irregular configura violação de direitos fundamentais.
A Equatorial, em nota enviada ao jornal O HOJE, informou que acompanha o processo e que cumpre as decisões judiciais. A empresa destacou que a decisão determina apenas a regularização provisória da rede, sem fornecimento gratuito de energia, e ressaltou que a área é considerada de ocupação irregular. A concessionária também argumentou que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) exige das distribuidoras a regularização de ligações clandestinas, para garantir segurança e evitar riscos à população.
Apesar da decisão, os moradores seguem apreensivos. Muitos contam que viveram dias no escuro, sem geladeira, ventilador ou iluminação. “A energia é o mínimo que a gente precisa pra viver. Foi uma humilhação quando cortaram. Agora a Justiça fez o certo”, disse Dona Bena.
Para quem vive nas ocupações, a rotina é marcada por incertezas. As famílias seguem esperando um posicionamento da prefeitura de Goiânia e torcem para que, até janeiro, uma solução definitiva seja anunciada. “A gente vive com medo de acordar e ter um trator na porta. O que queremos é só um lugar pra viver em paz, com dignidade”, resume Dona Bena.
A prefeitura de Goiânia foi procurada para comentar a situação das ocupações, mas não respondeu até o fechamento desta edição. (Especial para O HOJE)








