O número de brasileiros que trabalham por aplicativos cresceu 170% em dez anos, saltando de cerca de 770 mil em 2015 para 2,1 milhões em 2025. Os dados constam no Relatório de Política Monetária do Banco Central e revelam uma transformação estrutural no mercado de trabalho. No mesmo período, a população ocupada do país cresceu apenas 10%, o que mostra o peso crescente das plataformas digitais na geração de renda.
Inserção sem substituir empregos formais
Segundo o levantamento, boa parte dos profissionais que hoje atuam como motoristas e entregadores veio de fora da força de trabalho. Ou seja, o avanço dos aplicativos não substituiu empregos formais, mas ampliou as oportunidades de inserção no mercado. Essa dinâmica ajuda a explicar parte da redução do desemprego e do aumento da taxa de participação registrada nos últimos anos.
O Banco Central estimou que, a cada ponto percentual de crescimento da participação dos trabalhadores por aplicativo na população em idade ativa, há elevação de 1,12 ponto na taxa de ocupação e de 0,87 ponto na taxa de participação. O impacto sobre o desemprego é mais modesto, mas o estudo indica tendência de queda de até 0,41 ponto percentual.
Atualmente, os trabalhadores por aplicativo representam 2,1% da população ocupada e 1,2% da população em idade de trabalhar. Embora o número ainda pareça pequeno, o setor tem potencial de expansão e já exerce influência direta sobre a economia. O IBGE, por exemplo, passou a incluir serviços de transporte por aplicativo no cálculo do IPCA, com participação de 0,3% em agosto — próxima ao peso das passagens aéreas.
Expansão movimenta setores e atrai novos players
O avanço das plataformas digitais também estimula o consumo, o investimento em tecnologia e a digitalização de serviços. O setor atrai novos players, como aplicativos regionais de entrega e transporte, e movimenta cadeias inteiras, de combustíveis a serviços de manutenção. A volta da 99Food, prevista até o fim do ano, é um dos exemplos de como o mercado segue em expansão.
Ao mesmo tempo, o crescimento acelerado acendeu o debate sobre direitos, condições de trabalho e regulação. O Congresso Nacional discute atualmente o Projeto de Lei Complementar 152/2025, que propõe um marco regulatório para motoristas e entregadores de aplicativos. O texto prevê a formalização de contratos, definição de regras de segurança, limites para suspensão de trabalhadores e transparência nas taxas cobradas pelas plataformas.
Economia digital transforma mercado de trabalho e impulsiona ocupação
Debate no Congresso busca equilíbrio entre inovação e direitos
Deputados que integram a comissão especial do projeto afirmam que o objetivo é equilibrar inovação e proteção social, garantindo condições mínimas sem comprometer a flexibilidade que caracteriza esse tipo de trabalho. Entidades de motoristas e entregadores, no entanto, apontam que a proposta mantém os profissionais como autônomos, o que, na avaliação dos sindicatos, não resolve a precarização.
O tema divide opiniões. Parte dos especialistas defende a criação de um “terceiro regime” trabalhista, intermediário entre o emprego formal e a autonomia total, que garanta direitos previdenciários e seguros obrigatórios sem eliminar a liberdade de jornada. Essa alternativa já é adotada em países como Espanha e Reino Unido, onde governos criaram categorias híbridas para trabalhadores de plataformas.
O presidente eleito do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Luiz Philippe Vieira de Mello, também defende a criação de um modelo próprio para o setor. Segundo ele, é necessário “garantir proteção e seguridade sem retirar a flexibilidade que atrai milhões de pessoas para o trabalho digital”.
Setor já é parte da economia nacional
Apesar dos desafios, o trabalho por aplicativos já é um componente consolidado da economia brasileira. Ele gera renda, movimenta o consumo e contribui para a redução da ociosidade no mercado de trabalho. Mas também evidencia um dilema contemporâneo: como equilibrar a inovação tecnológica e a liberdade profissional com a necessidade de proteção social.
Especialistas afirmam que o futuro do mercado de trabalho será cada vez mais digital, flexível e descentralizado. A economia de plataforma tende a se tornar um dos pilares da produtividade nacional, exigindo políticas públicas que acompanhem essa nova realidade. O avanço dos aplicativos mostra que é possível gerar ocupação e estimular o consumo de forma simultânea, mas o próximo passo será garantir que o crescimento venha acompanhado de direitos, segurança e estabilidade.