Sabe o nome dos 12 cavaleiros de ouro do zodíaco? Dos 11 da Seleção de Ancelotti? Quais os 10 mandamentos? Os 9 anéis? Os 8 odiados? Os 7 samurais? Os 6 servos? Os 5 ministros da 1ª Turma do STF? Peraê, esses aí o Brasil conhece de cor e salteado: Cármen Lúcia, Dino, Fux, Xandão e Zanin.
Gaúcho que fez carreira no Paraná, 67 anos, Edson Fachin tomou posse ontem na Presidência do Supremo Tribunal Federal para que a população conheça outros grupos de 5, o Quinteto Violado, a Seleção de Futsal, o time de basquete. Uma frase sua, repetida ontem no discurso de chegada ao alto do pódio, resume a transformação: “Ao Direito o que é do Direito, à política o que é da política” (leia abaixo o texto inteiro), pois “é fora da ‘sociedade do espetáculo’ que se encontra a essência da justiça brasileira que realmente conhece e presta contas ao país”.
Portanto, mesmo que algum integrante libere para vazar a conta-gotas informações dos casos, dê entrevista sobre o que não é de sua competência, exerça o fanatismo pelos holofotes das mídias sociais, terá no presidente do Poder o contraponto ideal em discrição. Diferente do burburinho de toga deste século, é um estilo que estava fazendo falta. Espera-se que a Corte se recolha aos livros e deixe as câmeras somente para transmissão das sessões plenárias.
Afinal, o STF não mudou apenas de mãos, mas de cara, de comportamento, de senso. Em vez de se dedicar à polemização, foco nos autos – o conjunto de documentos recebidos das partes.
Uma diferença marcante ocorreu antes mesmo de se iniciar o mandato. A simplicidade da posse, sem baile nem show de artistas famosos, estabeleceu um marco. É possível que o cargo, cumulado com a presidência do Conselho Nacional de Justiça, ajude a reverter uma fonte de repulsa ao Judiciário: os penduricalhos. Quase 20 mil juízes receberam R$ 6 bilhões em mimos no 1º semestre deste ano, 20% maiores que no mesmo período de 2024. São comuns os salários superiores a R$ 100 mil e alguns chegam a quase R$ 1 milhão… por mês.
O vice de Fachin é o notório Alexandre de Moraes, mas até ali o sistema é presidencialista – tudo é com o titular. Portanto, porta fechada para arroubos típicos dos influenciadores de internet.
Para dar ideia de com quem o País vai contar doravante, remeta-se a um documento no estilo “Oração aos moços”, de Rui Barbosa. Foi a aula que Fachin ministrou a jovens juízes, que haviam entrado em seus tribunais por aqueles dias de dezembro de 2024, na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados. Eram oriundos de cinco Estados, inclusive Goiás. Foram 12 tópicos, cada qual mais marcante que o outro (leia resumo abaixo).
Uma das referências foi à selvageria da política radicalizada: “Juízas e juízes não devem ser vistos pela sociedade como satélites da polarização que assola o mundo contemporâneo.” E uma paulada em quem endeusa privilégios, no corporativismo tradicional do serviço público: “Ao lutar por direitos, não esqueçamos de reivindicar antes de tudo nossos deveres.”
Tocou em pontos sérios, como a dubiedade do sistema: “A segurança jurídica é essencial para o Estado de Direito, para a efetividade de direitos fundamentais e para o desenvolvimento econômico. O próprio sistema judicial deve contribuir para o fortalecimento da segurança jurídica.”
‘Ao Direito o que é do Direito e à política o que é da política’
Em sua palestra aos juízes em início de carreira, o novo presidente do Supremo, Edson Fachin, foi direto ao ponto:
“Apenas a submissão à legalidade constitucional do Estado de Direito democrático nos compele, o juiz não pode determinar-se por qualquer outra emanação do poder: ao Direito o que é do Direito, e à política o que é da política.”
Veja um resumo das 12 lições:
1 – Magistrado algum está acima da legalidade constitucional.
2 – A confiança na resposta da magistratura está fundada na capacidade de captar a realidade e produzir decisões, à luz da lei, que traduzam respostas adequadas. E o conduto dessas respostas é, por definição, o processo.
3 – Nós, juízes e juízas, temos o dever de expor com nitidez as razões de nossas decisões, porque é arbitrária a discricionariedade sem racionalidade sistemática.
4 – Devemos harmonizar vocação e compromisso. Honestidade e probidade não são somente discursos e sim práticas. Não se educa apenas pelas palavras e sim pelos comportamentos.
5 – Quem atende a um chamado que exige não apenas conhecimento jurídico profundo e equilíbrio nas decisões, mas também coragem, integridade e compromisso com os mais altos princípios da justiça, busca uma sociedade mais livre, justa e solidária.
6 – O Poder Judiciário brasileiro é do Brasil. Mais de 18 mil mentes e corações, em todas as comarcas, instâncias, juízos e varas, nas mais distintas e distantes áreas, locais e regiões, se entregam ao agir, à coerência e às demandas de honradez na conduta.
7 – Diante da revolução tecnológica, apreender esse ferramental não como um fim em si, mas como um meio de servir melhor à cidadania. A justiça não basta ser justa, precisa mesmo ser compreendida. Devemos reafirmar o papel institucional do Judiciário como guardião dos direitos e liberdades.
8 – Assumir os deveres com as gerações futuras e com a sustentabilidade, como dever ético, político e institucional. Estudar sempre e submeter os saberes à contraprova da realidade concreta.
9 – Não é legítimo ao Judiciário avançar sobre a seara do legislador. O aprendizado da convivência com o dissenso e do respeito mútuo são lições também para os Poderes e as instituições. São caminhos interligados que, quando sobrepostos, fragilizam os espaços de desenvolvimento do país.
10 – Devemos ter firmeza e serenidade. A vida da prestação jurisdicional é um canteiro de obras, ruidoso e controverso. Serenidade e discrição, prudência e comedimento produzem confiança. Devemos ser empreendedores da confiança, falando nos autos e pelos comportamentos.
11 – Precisamos sentir a palpável realidade das pessoas que julgamos. Nada pode substituir a vivência direta e imediata com as pessoas e os jurisdicionados.
12 – A magistratura deve levar a Constituição para todos, sem exceção, especialmente aqueles que não são eleitos pelas oportunidades da vida numa sociedade ainda discriminatória, injusta e desigual.
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