Após a balbúrdia daquele domingo de sol no início de 2023, com os três poderes de recesso ou folga de fim de semana, o movimento se deslocou para o quartel-general do Exército, a 8km da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Os manifestantes haviam chegado a pé e andando voltaram. O Legislativo havia entrado de férias a uma semana do Natal, o Judiciário um pouco antes e o Executivo, que tomara posse havia uma semana, estava com seu chefe no interior de São Paulo.
Na hora do quebra-quebra e pós-bagunça estiveram ali, além dos manifestantes bolsonaristas, dois ministros do Governo Lula, o da Justiça e Segurança Pública, senador Flávio Dino, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Marco Edson Gonçalves Dias, conhecido como general GDias. Pouco tempo depois, GDias perderia o cargo e Dino estaria entre os supremos julgando quem, como ele, estava na praça.
Vai sair do seu bolso
Você certamente não sabe, mas podem sair de seu bolso os efeitos do que houve depois dos acontecimentos daquela tarde. Pela pesquisa feita por O HOJE, os anistiados recebem da União na faixa de dois mínimos até o rendimento-base dos ministros do Supremo Tribunal Federal, R$ 46.366,19. Com os do 8 de Janeiro, podem chegar a quase 10 mil vítimas. Nenhuma será paga pelo ministro que a condenou e até pode tê-la visto. Há imagens de baderneiros que nunca mais foram vistos, de Dino observando o teatro das operações, como dizem os relatos policiais, e de GDias se confraternizando com invasores.
Só não existem explicações para o que ocorreu durante a noite no QG do Exército. Militares de serviço, que ficariam até a manhã seguinte, saíram do quartel e foram às cercanias, onde estavam acampados cerca de 2 mil brasileiros vindos dos quatro cantos do País. Grande parte sequer havia estado na Praça dos 3 Poderes naquele domingo que entrou para a História. Com a farda que os acampados tanto respeitavam, oficiais convidaram os civis das barracas para o prédio. Depois de eles já dentro da estrutura, fizeram-nos entrar em ônibus, nos quais foram transportados para a penitenciária do Distrito Federal, a Papuda. Quando a turma acordou, estava presa e até a noite de ontem (12), 141 continuavam no cárcere, dois anos e nove meses depois. Esse é o relato a ser apresentado no pedido de indenização, após a anistia ampla, geral e irrestrita.
2 mil pegos, 10 absolvidos
O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e sete de seus antigos auxiliares foi um entre muitos atos. Dos quase 2 mil enjaulados, 1.628 foram processados, dez acabaram absolvidos e 638 já estão condenados. Os demais aguardam a estada no banco dos réus. Não há o que fazer, já que o inquérito e o processo se desenvolveram na última instância, o STF.
Na atual composição do Supremo, será impossível obter qualquer ganho para os condenados. A chance estaria em futuras aposentadorias, apesar de a 1ª Turma, duríssima com os 8 odiados pela esquerda, ser integrada por três dos mais jovens da Corte. O único divergente, Luiz Fux, será o primeiro a sair, em abril de 2028, quando completará 75 anos de idade. Em seguida, outra da 1ª Turma, Cármen Lúcia, exatamente um ano após. Os outros três têm ainda muito tempo para condenar: Flávio Dino até abril de 2043, o relator Alexandre de Moraes dezembro de 2043 e o presidente Cristiano Zanin em novembro de 2050.
Mesmo que o Congresso Nacional aprove a anistia, conforme prometido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, não haverá indenização a quem se considera vítima da prisão sem flagrante, da falta de individualização de conduta, da antecipação das condenações, da ausência do duplo grau de jurisdição. Essas teses estão todas superadas, inclusive no plenário (quando os 11 ministros se reúnem) do Supremo, não somente na 1ª Turma.
Portanto, eventuais tentativas de brigar agora contra as decisões do STF serão barradas no protocolo. Se alguma ação prosperar, é possível que o metido a herói tenha de indenizar o ministro-alvo e ainda pagar a seus advogados – certamente escolhidos entre os de maiores honorários.
De qualquer forma, jamais o dinheiro vai sair dos salários, das aposentadorias ou do patrimônio de quem condenou eventuais inocentes. Quem banca tudo é a União, essa que suga os impostos de todos e cada um de nós. Para dar ideia do que são os 638 já condenados pelo STF pelos acontecimentos do 8 de Janeiro, é praticamente a lotação da Penitenciária Odenir Guimarães, o antigo Cepaigo, em Aparecida de Goiânia. E ainda faltam cerca de mil a ser julgados e condenados.
Centenas de goianos estão na lista das aposentadorias
Seu vizinho diz que combateu a ditadura militar? Participou de passeata contra os generais? Jogue se nome no Portal de Dados Abertos do Governo Federal, https://dados.gov.br/dados/conjuntos-dados/gestao-de-pessoas-executivo-federal—anistiados, e espere o resultado: ele é um dos 7.300 anistiados que recebem todo mês uma espécie de aposentadoria, com direito a 13º salário. Vem cá, salário de quanto, hein? Varia da importância que a vítima recebia à época em que se sentiu atingida. Por falar em STF, ele pode ser a nova fábrica de indenizáveis pela União.
Talvez demore, e pode demorar muito. São os “atingidos por motivação exclusivamente política entre 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988”. Uma mexidinha na Constituição da República e essa data pode mudar para o 8 de janeiro de 2023 ou sabe-se lá para quando.
A lista é coalhada de goianos. Apenas em dezembro de 2002 o Congresso Nacional promulgou a lei 10.559, que regulamenta o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que trata da anistia. Então, teve gente esperando por 56 anos – como se os atuais seguidores de Jair Bolsonaro tivessem de aguardar até 2081.
São muitos os goianos que recebem a mesada, inclusive entre os primeiros: a lei é de 13/11/2002, o ex-vereador João Silva Neto entrou na folha em 20/12/2002 e o ex-deputado Tarzan de Castro, em 31/12/2002. O repórter do O HOJE viu cerca de 200 goianos entre os beneficiados, inclusive um filho do governador derrubado pelos militares, Mauro Borges.
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