A Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc) contestou oficialmente a decisão da Prefeitura de Goiânia de rescindir os convênios de gestão das maternidades Dona Íris, Célia Câmara e Nascer Cidadão. Em defesa protocolada junto ao município, a entidade alega ilegalidade na medida e afirma que a administração municipal tem uma dívida superior a R$ 158 milhões com a fundação.
Segundo a peça, “a rescisão dos convênios firmados com esta Fundação é nula de pleno direito, por não observar os regramentos previstos nos próprios instrumentos celebrados entre as partes, tampouco o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa”.
A Fundahc sustenta que a crise decorre de falhas da própria gestão municipal: “Durante todo o período de vigência dos convênios, a SMS de Goiânia vem descumprindo os compromissos assumidos, com atrasos e retenção dos repasses financeiros, bem como alterações unilaterais dos valores, dos objetos e das metas”.
Ainda segundo a fundação, “não se trata de ‘quebra contratual’ por parte desta entidade, mas de reiterados descumprimentos da Administração Pública Municipal, o que afasta qualquer legitimidade da SMS para proceder com a rescisão”.
A entidade também nega que tenha havido má gestão e afirma que os serviços prestados foram prejudicados pela inadimplência da Prefeitura. “As constantes paralisações dos serviços ocorreram única e exclusivamente pela ausência de repasses financeiros e pela grave inadimplência da Prefeitura, e não por má gestão ou incapacidade técnica desta Fundação”, afirma. Em relação à acusação de uso indevido do Fundo Rescisório, a Fundahc sustenta que não teve qualquer ingerência sobre os recursos. “O fundo jamais foi gerido ou movimentado pela Fundação, sendo esta competência exclusiva da própria Secretaria de Saúde, conforme previsto nas cláusulas contratuais”.
Outro ponto de divergência envolve os gastos com despesas administrativas e operacionais (DAOs). Enquanto a Secretaria Municipal de Saúde afirma que a fundação retém até 13% do valor dos convênios para essas finalidades, a entidade alega que os percentuais são bem menores e previamente aprovados.
“Os percentuais de DAOs sempre estiveram previstos nos planos de trabalho pactuados e foram aprovados pela própria SMS, com base em cláusulas previamente estabelecidas”, diz a defesa. A fundação anexou ao processo uma planilha com os percentuais históricos, variando entre 2,61% e 5%.
A Fundahc também solicitou a suspensão imediata da rescisão e da contratação emergencial de novas Organizações Sociais, alertando que a troca repentina de gestão pode comprometer ainda mais a assistência às gestantes, puérperas e recém-nascidos. “A substituição abrupta da gestão, sem planejamento e sem regularização das pendências financeiras, representa risco iminente à continuidade dos serviços essenciais à população feminina e neonatal de Goiânia”.
Em nota oficial enviada com exclusividade ao jornal O HOJE, a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia afirmou que “optou pela rescisão dos convênios com a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc) para assegurar a regularidade e qualidade da assistência oferecida às gestantes, puérperas e crianças nas maternidades Célia Câmara, Dona Íris e Nascer Cidadão”.
Segundo a pasta, “a rescisão segue o devido processo legal e os instrumentos jurídicos celebrados entre a secretaria e a fundação prevêem que a rescisão unilateral sem multas pode ser realizada por qualquer um dos partícipes”. A secretaria ainda informou que a decisão foi “recomendada por estudo técnico da pasta que apontou fragilidades no custo-benefício pela prestação dos serviços, quantidade de atendimentos realizados nas unidades de saúde de 2021 a 2025 e na transparência e governança da instituição”.
A Secretaria também criticou o histórico de renovação dos convênios com a Fundahc, que desde 2012 ocorre sem concorrência. “A secretaria reitera que desde 2012, as maternidades municipais são geridas pela Fundahc sem processos de seleção pública que permitissem a participação de outras entidades sem fins lucrativos e sem a realização de estudos técnicos preliminares para analisar a viabilidade técnica e econômica dos reiterados convênios”. A gestão municipal defende que o novo modelo com Organizações Sociais tem o objetivo de garantir maior qualidade e racionalidade no uso dos recursos públicos.
Especialista alerta para riscos na rescisão da Fundahc pela prefeitura
A rescisão unilateral dos convênios firmados entre a Prefeitura de Goiânia e a Fundahc, suscita questionamentos jurídicos relevantes. Para o advogado Alexandre Martins, especialista em direito público, a medida pode ser considerada precipitada caso não tenha sido precedida por um procedimento administrativo formal.
Segundo Martins, embora convênios entre entes públicos possam, em tese, ser rescindidos unilateralmente, a legalidade do ato depende da motivação e do devido processo legal. “O instrumento de convênio são termos administrativos de colaboração celebrados entre entes públicos. Quando dois entes públicos se lançam num termo de colaboração, há um acordo de intenções e, por via de consequência, a função de obrigação de um lado e de outro”, explicou.
Ao analisar o caso, ele afirma que a cláusula contratual destacada pela Secretaria Municipal de Saúde pode até prever a possibilidade de rescisão unilateral, mas não dispensa a apuração formal de irregularidades. “Eu demandaria de um processo administrativo prévio para identificar uma inadimplência de contrato, algum tipo de prejuízo para aquele acordo que foi feito”, afirmou. Segundo ele, a ausência desse rito pode caracterizar nulidade. “Um dos elementos de validade de ato administrativo é a motivação, que eu trago a previsão legal para aquilo e faço a escolha fazendo um cotejo entre fato e o que está na lei”.
Martins ainda pontua que, se a Prefeitura for a responsável pelos descumprimentos que motivaram a rescisão, como alega a Fundahc, o rompimento pode ser juridicamente questionável. “Eu contrato um serviço, eu deixo de efetuar os repasses e pagamentos a contento e depois eu simplesmente promover o rompimento do vínculo. A prefeitura não pode dar causa a um inadimplemento de um outro a partir de se omitir no cumprimento da obrigação dela”, destacou.
Outro ponto levantado pelo advogado é a necessidade de escuta formal das partes envolvidas, especialmente da Universidade Federal de Goiás (UFG), que participa institucionalmente da Fundahc. “Esse procedimento administrativo, se não foi instaurado, deveria ser instaurado, e a Fundahc e a Universidade Federal deveriam ter sido ouvidas”, afirmou.
Por fim, Martins esclarece que o Poder Judiciário pode intervir caso tenha havido violação de garantias constitucionais. “O Judiciário não pode avançar sobre o mérito da decisão administrativa, mas desde que verificada a violação de garantias fundamentais, como o devido processo legal formal e material, e o amplo direito de defesa, o Judiciário pode atuar”, concluiu.
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