A mais nova proposta do prefeito de Goiânia, Sandro Mabel (União Brasil), de fechar os parques públicos da cidade às 22h levanta um questionamento: estamos caminhando para uma cidade com toque de recolher informal?
Após o assassinato do músico Bruno Duarte no Bosque dos Buritis, Mabel anunciou no último sábado (2) que o local passará a fechar mais cedo. A partir de agora, os portões do bosque serão trancados todos os dias às 22 horas.
O anúncio foi feito por meio das redes sociais. Ao lado do vereador Bruno Diniz, o prefeito justificou a medida com base na segurança pública. “Acho que ninguém usa o bosque depois das 22h. Fechando nesse horário, evitamos problemas com usuários de drogas e pessoas mal-intencionadas”, declarou Mabel.
Além dessa decisão, o prefeito também sancionou recentemente a Lei Municipal nº 11.595/2025, que estabelece novos horários de funcionamento para distribuidoras de bebidas alcoólicas na Capital. De acordo com a norma, esses estabelecimentos só poderão funcionar com atendimento presencial entre 5h e 23h59. Após esse horário, o funcionamento deverá ser exclusivamente na modalidade delivery, sendo proibido o consumo de bebidas no local.
Ambas as ações são justificadas pela Prefeitura com base em argumentos de segurança pública. Mas para o professor Dijaci David de Oliveira, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa Sobre Criminalidade e Violência da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), as medidas são ineficazes, abusivas e se aproximam de um “toque de recolher não declarado”.
“Nem a redução do horário das distribuidoras, nem o fechamento dos parques à noite muda algo em termos de segurança. Isso não resolve o problema”, afirma o especialista.
Segundo ele, o problema da criminalidade está ligado, entre outras coisas, ao modelo atual de funcionamento desses espaços. “Antes, a lanchonete e o bar te acolhiam dentro do espaço deles. Hoje, o modelo de venda em distribuidoras te coloca do lado de fora, exposto. Você compra na janelinha e continua vulnerável. É esse modelo de mercado que precisa ser questionado.”
Dijaci defende que, em vez de restringir o funcionamento, a Prefeitura deveria propor uma reestruturação dos espaços de lazer e consumo na cidade. “Precisamos pensar em ambientes acolhedores, que ofereçam segurança ao cliente e gerem empregos. Esse formato atual não protege ninguém.”
Parques não são o problema
Sobre a restrição de horário nos parques, o pesquisador é categórico: trata-se de uma medida populista e desconectada da realidade da segurança pública. “O crime que aconteceu no Bosque dos Buritis poderia ter acontecido em qualquer lugar. Fechar o parque às 22h não evita esse tipo de situação. É um discurso fácil, mas que não ataca o problema real.”
Ele destaca que muitos cidadãos usam os parques à noite como única opção de lazer e cuidado com a saúde. “Há pessoas que trabalham o dia inteiro e só conseguem caminhar ou relaxar à noite. O parque é um espaço democrático. Fechar é punir a população que mais precisa dele.”
“O ideal seria a Prefeitura assumir que não tem efetivo da Guarda Civil para garantir segurança em todos os parques e, junto com o Estado, planejar soluções. Fechar o parque sem oferecer alternativa é, sim, um tipo de abandono da função pública.”
Um toque de recolher disfarçado?
Questionado se as medidas podem ser vistas como um toque de recolher informal, Dijaci é direto: “Se aproxima, sim. Porque o cidadão goianiense tem poucos espaços públicos de lazer. Ao restringir o horário de funcionamento de parques e distribuidoras, sem oferecer outras opções, o poder público está dizendo indiretamente: ‘fique em casa depois das 22h’. Isso não é segurança. É restrição de liberdade.”
Para o professor, o momento exige mais planejamento e menos impulsividade. “Medidas assim interferem no mercado de trabalho, no lazer das pessoas, na convivência social. E o pior: não apresentam resultado prático. É preciso repensar o modelo de segurança com ações de longo prazo, políticas integradas e escuta da população.”
“Se o prefeito quer enfrentar o problema, que convoque os donos de distribuidoras, proponha novos modelos, promova espaços seguros. Mas o que ele está fazendo hoje é populismo. Está desfocado do problema real e tenta produzir um discurso de segurança que não se sustenta.”
A Prefeitura de Goiânia, por meio da Secretaria Municipal de Eficiência (Sefic), deu início, no último fim de semana, a uma ação de fiscalização orientativa nas distribuidoras de bebidas da Capital. Auditores fiscais de postura estiveram nas ruas durante a madrugada, acompanhados da Guarda Civil Metropolitana (GCM), para informar os proprietários sobre as novas regras previstas na Lei n.º 92/2025.
A operação começou no sábado (2) e percorreu diversas regiões da cidade, como Setor Marista, Jardim Goiás, Vila Redenção, Jardim Curitiba e Setor Leste Vila Nova. Ao todo, 20 distribuidoras foram fiscalizadas, sendo que 14 estavam em funcionamento no momento da abordagem.
PPP nos parques avança
Paralelamente, a Prefeitura assinou ordens de serviço para estudos de concessão ou parcerias público-privadas (PPP) em oito mercados municipais e já analisa propostas semelhantes para alguns parques da cidade. A ideia é ampliar a elaboração de projetos e acelerar o plano de desestatização. Os estudos são conduzidos pelo Instituto de Planejamento e Gestão de Cidades (IPGC), responsável pela PPP Cidade Inteligente.
O post “Fechar parques e distribuidoras não torna a cidade mais segura”, diz pesquisador da UFG apareceu primeiro em O Hoje.
