A conjuntura deveria ser nacionalista, mas é apenas patética. Os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se provocam, incluem na briga os antecessores Barack Obama e Jair Bolsonaro, penalizam as respectivas populações para no fim se concluir que é tudo teatro. Faz parte do espetáculo a pantomima de Trump, nesta quinta-feira (30), ao exibir a assinatura no tarifaço de 50% aos produtos brasileiros ou aplicar para o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, uma lei, a Magnitsky, que pune violadores dos direitos humanos. A realidade é que a geopolítica impõe o jogo de cena em que as três letrinhas, EUA, encaram outra sigla, BRICS, estabelecendo confusão com a primeira consoante, mas na verdade o que lhe interessa é a penúltima.
Não é preciso ter o QI de Einstein, basta o dos chefes de Estado envolvidos, para revolver óbvio das entrelinhas de BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, além da sopa de vogais integradas depois, AEEEII, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. No ano passado entraram de parceiros Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. Ou seja, o que vale a pena no BRICS é apenas o C, com muito esforço talvez o B, o restante pode ser tirado do alfabeto. Se o BRICS fosse apenas BRIS, para Trump seria apenas brisa que sequer mexeria no famoso topete.
É a China o verdadeiro adversário de Tio Sam. O Brasil, pobres de nós, significa muito pouco para o irmão rico do Norte. De tudo o que os americanos importam, só 1% sai daqui, enquanto eles compram 12% do que exportamos para o mundo inteiro. Mil e duzentos por cento de diferença. Do que os Estados Unidos vendem, mísero 1,5% é para o Brasil, que manda para lá 16% do que comercializa com quase 200 nações. Mil e sessenta por cento a menos. A gente dá-lhe um soco na cabeça e sequer despenteia o cabelo da logo do Itaú.
O Brasil não tem alcance econômico sequer para ser odiado. Faz alguma figuração somente na agropecuária, verdadeiro tesouro no Cone Sul, para desespero dos produtores rurais americanos, que estão aplaudindo Trump. O restante é defunto sem choro nem vela ao mar. O que as potências europeias preparam no momento se resume a pormenores para a COP 30, a descomunal farra de ambientalista que vai ocorrer em Belém (PA) daqui a cem dias. O presidente dos Estados Unidos não investe tempo nem neurônios com as reuniões que, entre um cigarro e uma musiquinha, vão discutir mudança de clima. Ele quer chuva de informações acerca da China, sobre quem deseja que Poseidon envie as piores tempestades.
Até agora, os chineses navegam por mares tranquilos. Adquirem terrenos infinitos na África e nas Américas – é provável que haja mais donos de fazendas africanas em Pequim e Xangai do que em Abuja, Argel Nairóbi ou Pretória. Em ruas e shopping dos países latinos, os chineses dominam o comércio informal e conquistam postos relevantes no formal. A China atrai parceiros nas diversas áreas do pensamento, fabris, governamentais. Até há poucos anos, ninguém sabia sequer que idioma se falava por lá, agora há cursos de mandarim para todo lado. Então, é pedir muito que Trump não esteja com psoríase numa hora dessas.
Chinês sofria nos filmes de caubói
Óbvio que ainda não faz sombra para os Estados Unidos, mas em comparação com o passado, a China realmente faz Trump ter razão em se preocupar. Décadas atrás, o espectador brasileiro morria de dó dos chineses de filmes de caubói, coitados, sofrendo horrores na Costa Oeste americana, principalmente nos garimpos da Califórnia. No outro lado, só havia chinês em Nova York ou Boston se fosse em alguma conspiração imaginada pelos roteiristas de Hollywood. Atualmente, estão por toda parte. Onde não chegam, seu dinheiro vai.
Quem é Lula, quem é Bolsonaro, quem é Alexandre de Moraes em relação à guerra de verdade travada nos bastidores entre as duas maiores potências do universo? Cem por cento ninguém. Parlamentares saem de Brasília, gastam verbas públicas indo a Washington e sequer são recebidos pelos congressistas de lá, pois só aqui mesmo dispõem de alguma representatividade, ainda assim em suas bases – isso, os que as têm. Em Nova York, não passam de um bando de caipiras olhando para cima doidinhos para ser atropelados por algum pedinte. Na Casa Branca, são encarados como caçadores de suvenires.
Se tivesse sido no Brasil o terremoto que sacudiu a Rússia na quarta-feira (o maior da última década e meia na superfície terrestre) e provocasse um tsunami no Lago Paranoá que arrasasse a Praça dos Três Poderes a ponto de a bagunça de 8/1/2023 parecer um piquenique de freiras, os jornais Washington Post e The New York Times noticiariam num pé de página par. É o que os políticos brasileiros significam para o Tio Sam, os sobrinhos esfomeados que vêm lá da roça apenas para pedir as camisetas que os bacanas iriam usar para limpar o chão do canil.
Coreia do Norte tem mais importância geopolítica que o Brasil
A geopolítica mundial é alheia aos posts de redes sociais. Tem muito marketing, mas o palco é o planeta. Rememore-se que durante 40 anos, a partir de 1959, o país mais importante da América Latina foi Cuba, uma ilha como tantas outras. Iraque e Vietnã tiveram de ser dizimados, de tanto que impuseram respeito às lideranças globais. Por isso, a Coreia do Norte desperta mais atenção que Brasil, México, Canadá e outros supostamente grandes. Não basta ter um ditador nanico de cabelo estranho, para provocar insônia é preciso se dar o respeito que julga merecer.
O presidente Lula foi considerado, por seu entorno, um estadista internacional porque o colega americano Barack Obama o chamou de “o cara”. Na linguagem de um acadêmico de Chicago, onde Obama foi criado, “o cara” não tem o sinônimo de alguém do Bronx, em Nova York, ou da Rocinha, no Rio de Janeiro. Então, “o cara” é simplesmente o que parece ser, uma gíria como outras que se esfumaçam e dão em nada. Roberto Carlos já cantou que “esse cara” é ele. O vazio de líderes por aqui é tão absoluto que alguém ser tido como “o cara” numa conversa informal, sem dados a corroborar o apelido, se torna um acontecimento.
O post Lula e Bolsonaro estão longe de ser astros na briga EUA x China apareceu primeiro em O Hoje.