Bruno Goulart
A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros produziu um efeito imediato no cenário político nacional: enfraqueceu a oposição bolsonarista e devolveu ao presidente Lula (PT) um trunfo simbólico que a esquerda buscava há anos — o discurso nacionalista. No bom português brasileiro, é “o tiro que saiu pela culatra”. Até pouco tempo, esse território estava praticamente monopolizado pela direita, que se apoderou de cores, bandeira e outros símbolos nacionais. Agora, em um giro inesperado, é Lula quem veste a capa de defensor da soberania nacional e se apresenta como escudo contra a interferência estrangeira.
O cientista político Lehninger Mota, em entrevista ao O HOJE, sintetizou esse movimento: “Lula vinha em queda de popularidade por conta principalmente da inflação e agora consegue um inimigo para quem ele pode verbalizar na sua narrativa, convocar todos os brasileiros, principalmente os do centro, a serem patriotas”.
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A perda de apoio que o Planalto sofria no Congresso, onde partidos aliados se distanciavam ao sentir que Lula chegaria enfraquecido em 2026, ganhou nova perspectiva. Afinal, Trump ofereceu ao petista o melhor dos pretextos: um ataque explícito que pode ser enquadrado como tentativa de “intimidação” de um governo legítimo — uma pauta capaz de unir centro e esquerda e de sensibilizar até eleitores moderados.
Para analistas, trata-se de uma armadilha comunicacional especialmente cruel para a direita brasileira. O bolsonarismo se viu obrigado a tentar um duplo movimento quase impossível: acusar Lula de não ter buscado diálogo com os EUA e, ao mesmo tempo, manter o discurso de que estão ao lado do povo brasileiro contra a taxação. Como lembrou Lehninger, “a direita vai ter que fazer um malabarismo comunicacional”.
“Ao mesmo tempo em que culpa Lula de ser uma pessoa que não tentou em nenhum momento se aproximar dos Estados Unidos, vai tentar também colocar que eles estão do lado do Brasil.” O risco é que o eleitor médio perceba a contradição — e essa percepção pode se cristalizar. Ainda que Bolsonaro faça gestos públicos de “mediação”, dificilmente terá influência real sobre Trump, que historicamente só recua quando pode apresentar a concessão como uma vitória pessoal.
Confrontos que despertam nacionalismo
Historicamente, confrontos com potências estrangeiras sempre reacenderam algum grau de coesão nacional. O historiador Tiago Zancopé ressaltou que “toda vez que uma nação enfrenta um inimigo externo, você acaba provocando uma mobilização interna em defesa da sua nacionalidade, do território, dos valores”.
Zancopé relembrou exemplos como a Guerra das Malvinas, na Argentina, e a Guerra do Paraguai, no Brasil, em que o sentimento de pertencimento coletivo foi politicamente instrumentalizado. “O que a gente não via já faz alguns anos era esse nacionalismo ser reavivado por uma mobilização de uma centro-esquerda. Lula está coberto de razão em falar: ‘Eu como brasileiro vou defender a soberania nacional’. E é isso que se espera de um presidente”, avaliou.
Vitória com prazo de validade
O efeito imediato da taxação foi dar ao presidente a chance de se reposicionar como líder de todos os brasileiros diante de uma ameaça externa — mas isso não garante que o ganho se sustente até 2026. Como pontuou Zancopé, “o relógio dessa armadilha foi acionado” e agora dificilmente será desmobilizado pelo ex-presidente Bolsonaro, que, no máximo, pode continuar a se vitimizar e dizer que é alvo de perseguição judicial.
Ainda assim, a conjuntura indica que o nacionalismo, outrora bandeira exclusiva da direita, pode se tornar uma das armas centrais do petismo na tentativa de reconquistar o centro. O timing também ajuda Lula: em meio à fragilidade econômica e à desmobilização popular, o petista recebeu um pretexto claro para reativar a identidade nacional como instrumento de coesão. Como lembrou Lehninger, “se a esquerda souber capitalizar essa narrativa, a tendência é que Lula melhore muito seus números de aprovação”.
Tudo pode mudar
Mas, em política, tudo pode mudar. Hoje, os ventos sopram a favor de Lula, que encontrou no embate com Trump um combustível inesperado. Amanhã, no entanto, esse ímpeto pode arrefecer, seja por desgaste interno, seja pelo surgimento de novas crises. A guerra de narrativas está apenas começando. E, embora a taxação americana tenha, na prática, prejudicado mais a direita do que a esquerda, ninguém pode garantir que o efeito rebote dure até as urnas
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