Bruno Goulart
A atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente do ministro Alexandre de Moraes à frente dos inquéritos que investigam a tentativa de golpe durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), tem dividido juristas e especialistas. Se por um lado sua condução é vista como essencial para barrar avanços autoritários e proteger a democracia, por outro há crescentes questionamentos quanto à legalidade dos métodos empregados — e ecos da já encerrada Operação Lava Jato começam a se fazer ouvir.
Entre os pontos mais criticados estão a concentração de poder em um único ministro, o uso da prevenção como justificativa para evitar sorteios de relatorias, a conduta proativa do magistrado durante investigações e o uso da delação premiada de Mauro Cid, vista por alguns como forçada. Embora os casos tenham suas diferenças, paralelos com a Lava Jato surgem especialmente na adoção de medidas heterodoxas, como prisões preventivas prolongadas, decisões monocráticas e delações contestadas.
Avaliações
O professor Miguel Gualano de Godoy, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), avalia que o Supremo agiu como uma barreira necessária às investidas antidemocráticas, mas não sem cometer erros. Para o docente, há vícios graves nos processos, como o fato de Moraes continuar relator mesmo após ser apontado como vítima de um plano de assassinato ligado à trama. “Hoje não há cenário para anulações, mas com a mudança da composição da Corte, esse risco existe”, alerta.
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Já Rubens Glezer, da FGV Direito São Paulo, afirma que a condução dos inquéritos — como o das milícias digitais, o das fake news e a trama golpista — sofre com falta de transparência e resistência aos pedidos das defesas. “A corte deveria ser mais cuidadosa para não alimentar críticas de parcialidade.” O professor da FGV também aponta o paradoxo: ao mesmo tempo em que o Supremo se fortalece ao julgar um ex-presidente e militares, pode corroer sua própria autoridade com decisões questionáveis.
Exemplo concreto
Desde que Moraes passou a relatar os inquéritos ligados ao bolsonarismo, boa parte das novas investigações foi agregada a processos anteriores por “prevenção”, argumento técnico que evita redistribuição entre outros ministros. O caso do cartão de vacinação, por exemplo, foi atrelado ao inquérito das milícias digitais, que, por sua vez, nasceu após o arquivamento de outro a pedido do Ministério Público. A delação de Mauro Cid, que estava preso desde maio de 2023 e foi solto em setembro após o acordo, também levanta suspeitas quanto à sua voluntariedade e validade legal.
Parte das informações usadas nas acusações contra Bolsonaro tem origem em quebras de sigilo autorizadas por Moraes em outros inquéritos. Isso alimenta a narrativa de “pesca probatória” usada pela defesa do ex-presidente, que também contesta a participação direta de Moraes na colheita de provas. A Procuradoria-Geral da República, que deveria supervisionar investigações criminais, por vezes esteve ausente ou aquiesceu de forma passiva, segundo os críticos.
Para a professora Fabiana Luci, da UFSCar, a imagem da corte saiu abalada. A docente estudou a cobertura jornalística do Supremo durante o governo Bolsonaro e aponta que, se as decisões sobre a pandemia foram vistas com bons olhos, o mesmo não aconteceu nos casos de embate direto com o bolsonarismo. “A percepção foi de excesso de poder, o que compromete a legitimidade do tribunal”, descreve.
Apesar de o Supremo ter reforçado sua posição institucional diante de uma ameaça golpista, a forma como isso ocorreu pode ter efeitos colaterais. À medida que enfrenta o autoritarismo com decisões duras, o STF também se torna alvo de críticas — inclusive de setores moderados do meio jurídico. O risco, segundo os especialistas, é de que vitórias no presente sejam comprometidas por vícios processuais que, no futuro, possam abrir caminho para revisões, anulações ou perda de credibilidade.
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