O Cerrado, segundo maior bioma do Brasil, ocupa cerca de 22% do território nacional e tem se consolidado como uma das principais fontes de matérias-primas para o setor de cosméticos naturais. Com uma flora composta por cerca de 12 mil espécies vegetais — das quais mais de quatro mil são endêmicas — o bioma oferece insumos ricos em propriedades medicinais e terapêuticas, que vêm sendo aproveitados por pesquisadores, empreendedores e indústrias comprometidas com inovação, sustentabilidade e valorização da biodiversidade.
De folhas, flores, frutos e raízes do Cerrado são extraídos óleos essenciais com múltiplas funções, indo muito além da aromaterapia. Esses compostos naturais apresentam benefícios comprovados à pele, aos cabelos e à saúde em geral, sendo utilizados em loções cicatrizantes, cremes antienvelhecimento, tônicos faciais, produtos antiacne, sabonetes íntimos e shampoos anticaspa. A tendência acompanha a demanda global por ingredientes naturais, de baixo impacto ambiental e com eficácia validada pela ciência.
Biodiversidade como diferencial competitivo
Um levantamento recente realizado por uma equipe da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com especialistas do setor de fragrâncias revelou a prospecção de 340 amostras de óleos essenciais de 120 espécies vegetais do Cerrado. Desses, ao menos cinco compostos despertaram interesse técnico e sensorial para formulações de perfumes e cosméticos sofisticados. O potencial é promissor, principalmente considerando que grande parte das espécies do bioma ainda não foi explorada cientificamente.
A biodiversidade do Cerrado é favorecida por sua localização geográfica — a região central do país — e por sua transição com outros biomas, como a Amazônia e o Pantanal. Essa interseção confere características únicas às plantas, cujos óleos essenciais apresentam moléculas complexas e multifuncionais, como o B-cariofileno, o Linalol e o beta-pineno, com reconhecido potencial cicatrizante, bactericida, anti-inflamatório, adstringente e antioxidante.
Plantas nativas ganham protagonismo nas fórmulas
Entre as espécies nativas que mais se destacam na produção de óleos essenciais está o alecrim-do-campo, apontado por especialistas como uma das plantas medicinais mais potentes do bioma. Seu óleo possui alta capacidade regenerativa, com efeitos comprovados na cicatrização de feridas, suavização de linhas de expressão, tratamento de estrias e varizes.
Outro exemplo é o araçá, fruto típico do Cerrado com propriedades bactericidas e adstringentes. Seu óleo essencial, rico em Linalol — também presente na lavanda — é indicado para limpeza facial, rejuvenescimento da pele e controle de acne. Estudos conduzidos por universidades federais têm comprovado sua eficácia anti-inflamatória.
A goiabeira também tem seu óleo valorizado pela riqueza em vitaminas e minerais. Já o óleo de copaíba é amplamente reconhecido por suas propriedades analgésicas, antifúngicas e antioxidantes. Por fim, a sucupira-branca fornece um óleo com propriedades calmantes e antialérgicas, comum em loções e cosméticos naturais.
Pesquisadoras destilam óleos artesanais no Cerrado e testam aplicações cosméticas
Aproveitamento de resíduos amplia inovação
Além dos óleos essenciais, há avanços no aproveitamento de resíduos agroindustriais do Cerrado, como no caso do pequi, fruto tradicionalmente usado na culinária goiana. Estudos realizados por pesquisadores de uma universidade paulista desenvolveram dois produtos inovadores a partir de resíduos da fruta: um creme anti-inflamatório e um protetor solar com propriedades antioxidantes.
Segundo os pesquisadores, os produtos apresentaram resultados similares aos de cosméticos consolidados no mercado, mas com custos de produção significativamente menores. Para se ter uma ideia, a produção de uma bisnaga de 60 gramas do creme anti-inflamatório a partir do resíduo do pequi custa, em média, R$ 8,10 — frente aos cerca de R$ 65 cobrados por produtos similares no varejo.
Impactos econômicos e sociais da bioeconomia
A utilização sustentável da biodiversidade do Cerrado também promove impactos sociais. Comunidades tradicionais e pequenos produtores da região vêm sendo integrados às cadeias produtivas por meio da coleta, manejo e beneficiamento de espécies nativas. Esses arranjos produtivos contribuem para a geração de renda, a permanência das famílias no campo e a valorização de saberes populares, ao mesmo tempo em que ajudam a conservar o bioma frente à crescente pressão do agronegócio e da urbanização.
Segundo estimativas do setor, o mercado global de cosméticos naturais e orgânicos deve movimentar mais de US$ 30 bilhões até 2030. No Brasil, o nicho cresce cerca de 8% ao ano, impulsionado por consumidores mais conscientes e exigentes. A rastreabilidade da origem dos insumos, o uso de embalagens sustentáveis e o respeito às comunidades tradicionais tornaram-se diferenciais competitivos na indústria da beleza.
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