O número de casamentos no estado de Goiás caiu 25,1% nos últimos dez anos, segundo dados divulgados nesta sexta-feira, 16 de maio, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2014, o estado registrou 43.394 uniões civis. Já em 2023, esse total caiu para 32.518. Goiânia acompanhou a tendência, com um decréscimo de 15,8% nos registros: de 12.901 para 10.861.
No Brasil, a queda de registros de casamentos também é significativa. Em 2023, o país somou 940,8 mil casamentos (929,6 mil entre pessoas de sexos diferentes e 11,2 mil homoafetivos), um recuo de 3% em relação ao ano anterior. O pico foi em 2015, com 1,137 milhão de uniões formais. Desde então, o índice segue em queda, mesmo com variações.
Entre os fatores que ajudam a entender esse declínio está a mudança no perfil das relações amorosas e familiares. A psicóloga Karina dos Santos Siqueira, especialista em neuropsicologia e análise do comportamento, explica que muitos jovens da geração Z (nascidos entre 1997 e 2010) estão adotando a “agamia” – a escolha consciente de não buscar relacionamentos românticos ou compromisso formal, como casamentos. “Essa geração cresceu vendo relações desestruturadas na família. Isso gera uma espécie de aversão: mesmo que tenham outros exemplos, o que prevalece é o familiar. Muitos decidem não buscar algo que não parece fazer sentido para eles”, diz Karina.
A terapeuta também observa que, para esses jovens, o foco recai com mais intensidade em projetos pessoais, liberdade de escolha e saúde mental. “Relacionamentos exigem lidar com sentimentos complexos como angústia, amor e perda. Há uma dificuldade crescente entre os mais jovens para enfrentar essas emoções. A tecnologia, a ansiedade e o imediatismo das redes sociais também contribuem para esse distanciamento afetivo.”
Na mesma linha, a psicóloga Francinne Stronbel destaca que a geração Z tem evitado formalizar relações. Para ela, esse comportamento está diretamente ligado às transformações nas expectativas amorosas. “A geração Z é uma geração que chamamos de nativos digitais. Eles nascem numa era já dominada pelo mundo digital, e o advento da tecnologia trouxe consequências como uma rede puramente online, o que fez com que se propagassem comportamentos voltados ao isolamento, onde o mundo virtual se sobressai em detrimento das relações interpessoais, vamos dizer, ‘à moda antiga’. Claro que isso é um fator, mas não podemos deixar de lado o que a busca pelo ideal de independência também mudou”, analisa.
Segundo Francinne, o ideal de independência, antes relacionado à construção de uma família, hoje tem um novo significado. “Vemos uma reformulação desse valor que valoriza a vida equilibrada, mas em completude na sua individualidade. Ou seja, a busca agora é por uma independência individual na construção de metas profissionais, um estereótipo que o mundo globalizado tem cristalizado”, afirma.
Uniões estáveis e liberdade de escolha
A formalização da relação, tradicionalmente ligada ao casamento civil, vem perdendo espaço para uniões estáveis. Embora ambas tenham o mesmo valor jurídico desde decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017, a união estável não altera o estado civil da pessoa nem exige cerimônia pública.
“Antigamente, havia essa ideia de que casamento no civil tem que ser uma obrigação. Hoje, muitos jovens optam por morar juntos, sem formalização. Vivem a dois, mas sem o papel do casamento. Isso tem muito a ver com a liberdade e com os custos também”, comenta a goianiense Nicole Lima, de 24 anos, que namorou por três anos e recentemente começou uma vida a dois com o parceiro. Para ela, a oficialização não muda o que sente. “O casamento no papel é uma formalidade. O sentimento é o que vale. Além disso, é tudo muito caro. Festa, documentação, preferimos investir em coisas para a nossa casa”, explica.
Francinne Stronbel complementa que, em comparação com gerações anteriores, o comportamento afetivo dos jovens mudou substancialmente. “O jovem de hoje em dia, que cresceu numa era aberta a informações, busca semelhantes que compartilhem das suas ideias, que tragam autenticidade e uma mente ‘aberta’. Essa ideia de se relacionar pode gerar certa seletividade nas relações, tornando os núcleos de relacionamento menores. A busca por estabilidade e equilíbrio emocional também influencia nisso, minimizando a tendência de entrar em relações que não ofertem algo que efetivamente conecte. Muito mais que sentimentos, os jovens buscam conexão de ideias.”
A psicóloga ainda ressalta que a saúde mental e a valorização da autonomia individual têm influenciado diretamente as decisões de casar ou não. “Num mundo de acesso à informação rápida e facilitada, que imprime padrões, a comparação acaba sendo inevitável, deixando a saúde mental andar em linhas tênues devido ao distanciamento social físico que acontece em detrimento de uma aproximação digital. Esse movimento pode protelar decisões como a de construir famílias, se relacionar amorosamente e dividir espaços privados, já que a individualidade é mais valorizada como projeto de vida”, pontua.
Casamento entre mulheres cresce 5,9%
Apesar da redução geral em casamentos heteroafetivos, os casamentos entre mulheres registraram aumento de 5,9% em 2023, atingindo um patamar recorde desde o início da série histórica do IBGE, em 2013.
Esse crescimento ocorre na esteira de avanços legais, como a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2011, que equiparou uniões homoafetivas às heteroafetivas, e a Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2013, que impede cartórios de recusarem o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Para Klivia Brayner de Oliveira, gerente da Pesquisa de Registro Civil do IBGE, o crescimento das uniões homoafetivas reflete uma maior aceitação social e segurança jurídica. “É um indicativo de que, apesar da queda geral, há movimentos de afirmação e reconhecimento dentro da diversidade das relações”, afirma.
A taxa de nupcialidade no Brasil caiu para 5,6 em 2023, a metade do índice de 1980, quando era de 12,2. Além disso, a idade média ao casar aumentou: homens com 31,5 anos e mulheres com 29,2, entre casais heterossexuais; entre casais do mesmo sexo, 34,7 para homens e 32,7 para mulheres.
“Hoje, não há mais uma exigência social ou familiar para que a pessoa se case. Casar gera despesas, e muitos preferem evitar”, analisa Klivia. A quantidade de solteiros também caiu entre os cônjuges: em 2003, 86,9% dos casamentos envolviam duas pessoas solteiras. Em 2023, essa taxa foi de 68,7%. Os dados reforçam que, cada vez mais, o casamento se tornou uma escolha, não uma obrigação.
Mais separações em menos tempo
Enquanto os casamentos diminuem, os divórcios seguem em alta. Em 2023, o Brasil registrou 440,8 mil divórcios, crescimento de 4,9% em relação a 2022. Em Goiás, o aumento foi de 8,6%, com 420 mil separações. O tempo médio entre o casamento e o divórcio também diminuiu: de 15,9 anos em 2010 para 13,8 anos em 2023.
Do total de divórcios em 2023, 47,8% ocorreram em menos de dez anos de união. O percentual representa cerca de 210 mil dos 439,6 mil casos analisados. A taxa de divórcios para cada mil pessoas com 20 anos ou mais também cresceu, estabilizando-se em 2,8, mesmo índice de 2022.
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